Shingeki no Kyojin - Subvertendo clichês
Entretenimento e reflexão. Escapismo e razão. A arte de hoje tem mostrado uma clara separação entre as obras destinadas a um dos lados desta dualidade. Em um quotidiano que, embora muito mais flexível do que em tempos passados, ainda é desgastante seja a nossa saúde, seja ao nosso psicológico, acabamos recorrendo a pequenas distrações que acabam nos tirando da nossa realidade.
Um
professor de literatura que tive na época que fiz cursinho havia dito que obras
destinadas apenas ao entretenimento não podiam ser consideradas “arte”, afinal,
não tinham, pelo menos a priori, o objetivo de realizar uma avaliação da
condição humana ou da sociedade. Nutro um grande respeito por ele, afinal é uma
pessoa de grande conhecimento, da qual pude aprender muito, mas discordo um
pouco dessa frase. Porque a arte tem de ser respeitada apenas se tiver uma linguagem
rebuscada? Porque a própria criatividade para sua confecção não pode ser
valorizada igualmente?
É uma
discussão presente em diversas formas, seja na constante insatisfação em
relação aos indicados ao Oscar, seja a constante depreciação entre fãs de
estilos de música antagônicos, e outros. E isso também é muito visível em
relação aos animes. “Tal anime é modinha”,
“Anime longo só tem filler”, “O final em aberto ficou horrível” são frases
que costumo ler por aí.
Entre
os animes ditos “modinhas”, acho que pode ser incluído Shingeki no Kyojin (ou
Attack on Titan, fale como preferir). O shounen, que foi o grande sucesso de
2013, sucedendo a explosão que foi Sword Art Online no ano anterior, retornou
este ano com sua segunda temporada.
Para
aqueles que não conhecem, o anime se passa em um mundo que foi devastado por
seres chamados de Titãs, criaturas semelhantes a humanas, de 3 a 15 metros de
altura. Estas formas de vida vagam pelo mundo, sendo sua única atividade atacar
e comer humanos, mesmo que não precisem, pois, a energia solar basta para que
se mantenham vivos, assim como não atacam animais. De coordenação motora
precária, possuem uma pele rígida e auto-regenerativa, sendo necessário um
corte preciso na região da nuca para matá-los. Para sobreviver, a humanidade se
refugiou em uma região concêntrica, protegida por 3 muralhas de 15 metros de
altura: a mais externa, Maria; a muralha intermediária, Rose; e a mais interna,
Sina, aonde se localiza a família real e os aristocratas. O exército é dividido
entre a Guarnição Militar, que protege todo o território humano, a Polícia
Militar, que protege a área dos aristocratas, e a Divisão de Reconhecimento,
responsável por exploração de territórios, pesquisa sobre os titãs e conquista
de locais externos as muralhas.
Guarnição militar - "Pela ordem e a paz" Divisão de reconhecimento - "Pela glória da humanidade" Polícia Militar - "Pela sua majestade, o rei" |
A
história começa quando Eren Jäeger, um jovem rapaz, perde sua mãe após um
ataque de titãs na muralha Maria, depois do aparecimento dos Titãs Anômalos (na
ocasião, o Colossal, e o Couraçado). Isso o motiva a se tornar um soldado da
Divisão de Reconhecimento, e com sua empreitada, acaba trazendo consigo seu
melhor amigo Armim Arlert, e Mikasa Ackerman, que se torna uma assassina de
titãs incrível.
O 104º Corpo de Cadetes, com destaque aos três protagonistas. |
O
anime possui vários personagens, todos eles sendo importantes de um modo, assim
como o autor sabe muito bem como aproveitar eles, desde a esfomeada Sasha, a
fria Annie, o valente Reiner, a bela Krista, a durona Ymir, o espontâneo
Connie, entre outros. É de grande qualidade a maneira como é distribuído o foco
entre eles, não sendo apenas o trio de protagonistas a receber destaque. Temos
também outros personagens importantes, como Levi (talvez o mais popular de
todos entre os fãs?), Hange, etc.
Confesso
que tive uma certa resistência para começar a assistir à animação. Não sei
descrever bem o porquê..., mas como me surpreendi. A história, de início, não tem
muita originalidade, mas certamente surpreende muito quem assiste,
principalmente em seu tom. Me marcou muito o arco da Batalha de Trost,
principalmente a cena em que vemos os cadetes recém-formados, liderados por
Eren, avançando agressivamente aos titãs, e, quebrando a expectativa, sendo
dilacerados em instantes.
Uma cena usual em Shingeki no Kyojin... |
Aliás,
Shingeki no Kyojin possui mistérios muito bem trabalhados. Desde o porão na
casa de Eren, até a identidade dos anômalos. A segunda temporada inclusive já
iniciou adicionando ainda mais mistérios, como os titãs dentro das muralhas.
As
cenas de ação são lindas, o estúdio Wit entrega um trabalho bem feito quando
necessário. Mas é claro que, devido ao porte do estúdio, há alguns defeitos
perceptíveis, principalmente em relação a deformações no visual (a cena em que
Eren é engolido por um titã após salvar Armin é medonha!).
Defeitos
que aliás, se estendem a alguns pontos da narrativa. Os protagonistas não são
tão bem desenvolvidos quanto se esperaria (ele ocorre, mas é interrompido muito
brevemente), principalmente em relação a Mikasa, que creio que merecia mais
atenção em relação a sua história. Outra questão que também acho importante é a
qualidade de Eren como protagonista. Ele não é um personagem ruim, tanto que é
nítida uma certa evolução dele. Mas muito de seu temperamento, principalmente
em relação a Mikasa, não é muito bem “entendível”, por assim dizer, devido ao
desenvolvimento breve do personagem.
Mas os
pontos altos da obra se sobrepõe em muito os defeitos. É um shounen pesado, com
um clima com grande carga dramática. Algo que me surpreendeu foi o autor não ter
medo de matar personagens. Sim eu sei, não chega nem perto do nível de Akame ga
Kill nesse quesito, mas ainda assim, a produção do anime sabe muito bem fazer
você sentir a morte das pessoas, o medo em relação aos titãs, e outras emoções.
Outro ponto que não vi ser muito mencionado, é alguns traços de steampunk, isso é notado principalmente
em relação ao Dispositivo de Movimentação Tridimensional.
A galera toda reunida |
Mas o
que isso tudo tem a ver com os primeiros parágrafos deste texto? Bem, acredito
que boa parte do sucesso de Shingeki no Kyojin é adicionar algumas pequenas
reflexões sobre a sociedade a sua narrativa. Ao vermos, no início da obra, a
rejeição civil a Divisão de Reconhecimento, é como uma analogia a preferência
das pessoas ao comodismo em tempos de fartura e segurança. Essa mesma rejeição
é invertida, quando a humanidade mais uma vez se vê ameaçada, com a chegada do
Colossal e do Couraçado, em que a celebração daqueles que se arriscam a
descobrir novos horizontes é retomada.
Outro
ponto em questão, que inclusive tem sido retomado devido a opening da segunda
temporada, é a razão dos titãs atacarem exclusivamente humanos. Muitos enxergam
isto como uma alusão ao ambientalismo, em que a natureza estaria se encarregando
de limpar o planeta daqueles que o prejudicam.
Agora,
mesmo com todas as qualidades observáveis, será que é justo dizer que a obra
não pode ser considerada arte? O mero fato de ser um shounen, ou por alcançar
um grande público, exclui todo o mérito alcançado pelo anime? Eu faço esse
questionamento não só para Shingeki no Kyojin, mas também para SAO, Re:Zero, e
todas os outros animes que costumam ser bombardeados meramente por ser o
sucesso da temporada. Talvez, deixar de tentar encaixar as coisas em um
binarismo de “bom” ou “ruim” seja só um atalho prejudicial a todas as pessoas.
Shingeki no Kyojin - Subvertendo clichês
Revisado por Unknown
em
sábado, abril 22, 2017
Nota:
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